PROGRAMA DE PREVENÇÃO DO USO DE ÁLCOOL E DROGAS NA AVIAÇÃO Dr. Sulaiman Miguel Neto* 1. Introdução 2. Providência
A paz social é a objetividade jurídica perseguida em
Vale dizer que, verificada a ocorrência de um fato
todas as atividades do mundo moderno. Nesse estado as
com essa adequação, o comandante da aeronave ou qual-
pessoas podem viver com prazer e liberdade, o direito de
quer tripulante, um em relação ao outro, antes de iniciar o
chegar a todos os pontos do planeta. O conforto e a faci-
voo, deve impedir o embarque, ou se já superada essa
lidade de locomoção, conquistados com a elevada
primeira etapa, afastar o envolvido de suas funções, fa-
tecnologia incorporada ao transporte aéreo, transitam jun-
zendo-o desembarcar no primeiro aeroporto de escala.
tamente com o desenvolvimento, pela segurança de que
Após o voo, a ocorrência deverá ser reportada no
qualquer voo poderá ser vivenciado sem sobressaltos.
Diário de Bordo da aeronave, devendo a empresa informar
Toda arte, toda ação e toda escolha visam a um
o evento à ANAC, no prazo máximo de cinco dias após o
bem qualquer, por isso diz-se, não sem razão, que o bem é
aquilo a que as coisas tendem. Mas entre os fins, observa-
Diante do teor da norma administrativa, não pode
se a diversidade nas atividades das quais resultam uma
ser dispensado o poder de polícia da autoridade aeronáuti-
ca, que exigirá exame de laboratório dentro do prazo de
Na conservação dessa conquista concorrem alguns
quatro horas, após o tripulante haver atuado ou tentado
princípios jurídicos limitadores das atividades individuais, em
atuar. O exame clínico demonstrará a existência de razoá-
benefício do interesse coletivo. E ainda que as normas jurídi-
vel base para a conclusão de que houve o consumo ou
cas no nosso sistema se mostrem dimensionadas em vários
ingestão de qualquer droga (conforme anota o manual ge-
campos, para um efeito propedêutico e disciplinar das con-
dutas dos cidadãos, o melhor ângulo será a prevenção da
Possibilita ainda o sistema, na reprovação e preven-
prática imprópria e condenável2 . Todos os meios utilizados
ção do fato, a participação da empresa aérea junto a seu
com esse intuito representam as chamadas contramedidas.
empregado, impondo-lhe o teste. Mostra-se razoável sa-
Não é por outro motivo que têm sede no Manual
crificar em tese a liberdade individual à vista do superior
Geral de Operações do Regulamento Brasileiro de Homo-
interesse coletivo. Na eventualidade de não ser cumprida a
logação Aeronáutica procedimentos para controle das con-
cautela, constitui-se a recusa, numa justa causa para a
dições físicas da tripulação das aeronaves, estabelecendo-
rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, nos ter-
se textualmente, que nenhum tripulante poderá atuar se
houver consumido ou estiver sob a influência do álcool ou
Ainda com destaque na importante previsão do
qualquer droga capaz de afetar suas faculdades.
Código Brasileiro de Aeronáutica (art. 302, II, “q”), im-
Portanto, a par da previsão da norma de segurança
pondo pena de multa para a operação de aeronave em es-
que recomenda não se utilizar bebidas alcoólicas no perío-
tado de embriaguez, é certo que a segurança do vôo, dos
do de 18 horas antecedentes ao horário de apresentação
passageiros, da tripulação e de terceiros que podem ser
ao voo, há uma obrigatoriedade genérica da companhia
envolvidos nos danos, justifica um permanente alerta para
aérea e da ANAC, na apuração e reprovação do fato, sob
se evitar que as violações nessa seara deixem de ser imedi-
pena de incidirem na lei penal, pela prática do crime de
prevaricação. Esta figura legal vem tipificada no art. 319,
Portanto, a despeito da violação se constituir num
do Código Penal, que pressupõe uma conduta equivalente
ilícito administrativo com conseqüência para o agente,
a deixar de praticar um ato de ofício, para satisfazer sen-
poderá haver concorrência de responsabilidade. Não se
liberando da reprovação, quem tenha tido condições deagir contra ele, e não tenha adotado as providências cabí-
* Magistrado e Mestre em Direito Obrigacional.
1 ARISTÓTELES. A Ética a Nicômaco. Editora Martin Claret, São
2 TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil Constitucional.
3 CALLEGARI, André Luis. Teoria Geral do Delito. Livraria do
Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, dezembro 2009
Negando-se a cumprir as regras próprias à segu-
4. Conclusão
rança do voo, o agente terá juntamente com a infração aoManual de Operações cometido o crime de exposição à
Assim, nos dias atuais, onde se desenha a nova
perigo, típico do art. 132 do Código Penal, consistente do
ordem, o Brasil passa a integrar o Grupo I, formado pe-
menosprezo do mínimo de cautela necessário, com prévio
los considerados top da aviação, ocupando o lugar de
segundo país do mundo em número de aeronaves. Essestatus se reflete no transporte aéreo doméstico de pes-
3. Justificativa
soas e a hipótese do dano-evento ao passageiro temcomo regime legal a efetiva responsabilidade do trans-
O elevado padrão tecnológico, incorporado à ativi-
portador (com fundamento no dever de segurança e obri-
dade aeronáutica, não sobrevive sem um rigor na avalia-
ção da conduta dos operadores dos equipamentos, nem os
Aplicando-se à espécie a chamada teoria da impu-
libera da obrigação de prevenir e evitar resultados nefas-
tação objetiva que decorre, inescusavelmente, do princí-
tos, cumprindo todos os procedimentos dos manuais, in-
pio da relevância do bem jurídico tutelado, teremos como
clusive aqueles relacionados com a saúde e a condição
conseqüência prática, a oportunidade de poder imputar ao
responsável pela prestação do serviço, qualquer resultado
A utilização pelos aeronautas dos equipamentos de
lesivo decorrente do evento, qualquer que seja sua causa,
seu ofício, após a observação criteriosa dos padrões de
desde que tenha havido descuido na atividade potencial-
conduta estabelecidos, afastará a ocorrência de alterações
mente perigosa, permitindo que fosse realizada fora das
na operacionalidade, relevando, como mostra a experiên-
premissas estabelecidas para sua efetivação de forma se-
E nem poderia ser diferente, diante da obrigação de
implementada pelos envolvidos na atividade, exigindo a
operar de forma criteriosa, afastando qualquer resultado
observância de todos os itens dos manuais, com o pro-
prejudicial, é a premissa mais lógica aplicável ao contexto.
pósito de evitar o fato lesivo, a partir da reprovação das
Tanto assim, que os tripulantes personificam a empresa
violações individuais que somadas produzem os aciden-
em todo percurso do voo, desde o preparo da aeronave, e
no conjunto de relações causais dimensionadas nessa es-
Com efeito, livra-se a empresa do inconveniente de
fera, constata-se que o dano produzido, ainda que decor-
qualquer prejuízo à sua marca, do peso da repercussão,
rente de um ou vários fatores determinantes e intervenientes,
além da responsabilidade civil e administrativa que atrapa-
lham sua situação no mercado. E livra-se a sociedade da
Assim, sequer se poderia considerar que os resul-
dor e da angústia que um evento tão grave pode produzir.
tados lesivos possam vir a ser admitidos como excludentes,
Não havendo, a seu turno, seguro que cubra o valor da
a título de fatos de terceiro ou força maior, ou sequer o
chamado risco permitido, que estaria sempre presente nas
Por outro lado, não é demais destacar que esse
atividades humanas. Tal parâmetro é incompatível com a
novo regime de controle está de forma oportuna discipli-
boa técnica jurídica, já que as atividades estariam
nado no Decreto 6.780, de 18 de fevereiro de 2009, que
favorecidas por um ambiente qualificado, de alto padrão
aprova a Política Nacional de Aviação Civil e lança as
científico, capaz de fazer surgir por força do princípio da
premissas, fundamentos, objetivos e princípios para a
confiança, um dever de garantia superior.
segurança operacional, proteção contra atos ilícitos,
Tal princípio geral de direito, decorre da premissa
minimizando efeitos prejudiciais ao meio ambiente, às re-
de que o cidadão adere a uma variedade de atuações hu-
lações de consumo, à eficiência das operações, erigindo
manas, certo de que elas estão liberadas de qualquer risco
marcos programáticos importantes. Especialmente o de
e que serão desenvolvidas na forma autorizada.
que não se haverá de descurar de certas peculiaridades
Uma sociedade sem esse ponto de partida é
dos voos, com implicações para o corpo humano, na
inimaginável. Assim, não é permitido à empresa aérea, por
forma dos constantes estudos na seara da medicina
sua vez, deixar de executar uma política de fiscalização
rígida da proibição do consumo de A&D pelos tripulantes.
4 BUSTI, Silvio. Contratto di Transporto Aereo. Giuffrè, Milano,
6 JACOBS, Gunter. A Imputação Objetiva no Direito Penal. Trad.
André Luis Callegari, Ed.RT, São Paulo, 2ª. Ed. – 2007, p. 24.
5 Súmula de Aula, Medicina Aeroespacial. SBDA. Revista Brasileira
7 MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade Civil no Transpor-
de Direito Aeroespacial (RBDA). Rio de Janeiro, n. 36, 1976, p.92.
te Aéreo. Ed. Atlas, São Paulo, 2006, p.166.
Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, dezembro 2009
O descuido, independentemente de um eventual resultado
poderá corresponder aos anseios da coletividade a quem
lesivo, corresponderá a uma conduta socialmente inade-
Essa ótica é uma contingência dos novos tem-
A prova inequívoca da contrariedade ou violação,
pos, para que todos possam se dizer, como lembra
na espécie sob exame, será deduzida das circunstâncias e
São Paulo aos Efésios, dignos da vocação desenvolvi-
do resultado. Pois, nesse âmbito do perigo potencial, só
da com humildade e mansidão. Como uma oração de
um alto padrão de exigência garante a segurança e o de-
amor e fraternidade, que guarde o vínculo da paz, na
senvolvimento da atividade útil, sem o risco do erro hu-
graça dos dons confiados pelo Criador e Arquiteto do
mano. E sem afastar o perigo, o serviço prestado nunca
Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, dezembro 2009
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