Campos HS . O médico e o cigarro Opinião O médico e o cigarro RESUMO O tabagismo é um dos principais fatores causadores de doença e morte em todo o mundo. Noventa porcento dos casos de câncer do pulmão e de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) são causados pelo fumo, que também está diretamente ligado a graves doenças cardiovasculares, bem como a diversos outros problemas de saúde. Os custos ligados às doenças tabaco-relacionadas são altos, assim como são grandes as agressões feitas pelas indústrias do fumo ao meio-ambiente, acar- retando problemas para todos. O médico é o principal responsável pelas ações de saúde e, obrigatoriamente, tem que dar o exemplo e incluir o combate ao tabagismo na sua prática diária. Descritores: tabagismo, DPOC, neoplasias pulmonares, abandono do hábito de fumar. ABSTRACT Smoking is a major cause of death and disease worldwide. Over 90% of cases of lung cancer and chronic obstructive pulmo- nary disease (COPD) are due to smoking and the habit is also directly associated with severe cardiovascular disease as well as many other health problems. Costs associated with smoking related diseases are high and the physician should be in a prime position to contain this problem and to offer specific help to addicted patients consulting with respiratory disease. Keywords: smoking, COPD, lung neoplasms, smoking cessation.
A fumaça do cigarro contém mais de 4.800 pro-
sentava alteração da função pulmonar, independente-
dutos químicos, sendo que 69 deles são reconhecida-
mente da carga tabágica. Os autores concluíram que
mente causadores de câncer, fazendo do tabaco um
a baixa proporção de disfunções respiratórias entre os
dos principais agentes causais de câncer. A nicotina é
fumantes avaliados indica que fatores outros, como
a substância responsável pela adição. Quando inalada,
predisposição genética e estimulação ambiental, além
atinge o cérebro mais rápido do que drogas injetadas
do tabagismo, certamente estão envolvidos no risco
intravenosamente. Fumantes não se tornam apenas
de dano funcional respiratório. O desenho do estudo
fisicamente dependentes da nicotina; eles também as-
não permitiu explicar por que a grande proporção de
sociam o fumar a atividades sociais, fazendo do taba-
sintomáticos respiratórios na amostra examinada não
se refletiu nos resultados funcionais encontrados. Nou-
Excelentes artigos focando o papel do tabagismo
tro artigo, no qual os autores apresentam os resultados
na gênese de doenças podem ser lidos neste número
de uma pesquisa sobre tabagismo entre os usuários de
da Pulmão RJ. Num deles, são apresentados os resulta-
um serviço odontológico do SUS, em Cuiabá, MT, ob-
dos de um inquérito populacional realizado na cidade
servou-se que o fumo estava associado a escolaridade,
do Rio de Janeiro, no qual procurou-se avaliar o dano
sexo, religião, estado civil, uso de droga ilícita, alcoolis-
funcional respiratório entre os fumantes. Nele, embora
mo e ocupação. Informações como essa podem ajudar
71% dos 889 indivíduos avaliados relatassem algum
a definir estratégias e públicos alvos mais efetivos para
sintoma respiratório, a maior parte (70%) não apre-
1. Médico do Centro de Referência Prof. Helio Fraga, MSLocal de realização: Centro de Referência Prof. Helio Fraga, MS
Endereço para correspondência: Hisbello S. Campos. Rua do Catete, 311/708, Rio de Janeiro. Brasil. CEP 22220-001 e-mail: hisbello@globo.com Recebido para publicação no dia 01/12/2005 e aceito em 07/12/2005, após revisão. Campos HS . O médico e o cigarro
As principais preocupações dos pneumologistas
por cifras significativas de doença e morte, bem como
são o câncer de pulmão e a doença pulmonar obstruti-
por prejuízos financeiros para seus portadores e fami-
va crônica (DPOC), já que o fumo é diretamente respon-
liares, governos e sociedades, deve-se ressaltar que, na
sável por 90% dos casos de neoplasia pulmonar e por
realidade, os dados conhecidos são subestimativas da
80-90% dos casos de DPOC.2 No entanto, o tabagismo
real magnitude do problema. A complexidade e o alto
está associado também às doenças cardiovasculares (é
custo da obtenção de dados sobre a doença, aliados ao
o principal fator relacionado à doença cardíaca e aos
subdiagnóstico, à falta de definições claras da doença
acidentes vasculares cerebrais), como a diversas outras
para fins epidemiológicos e à imprecisão no preenchi-
alterações, tais como infertilidade, retardo na cicatriza-
mento de prontuários médicos e atestados de óbitos,
ção, doença ulcerosa péptica e pneumonia.3 Segundo
colaboram para que, mesmo alarmantes, as estatísticas
a American Lung Association, as doenças tabaco-asso-
divulgadas reflitam apenas parte do todo.
ciadas são responsáveis pelas mortes de 440.000 nor-
Até recentemente, quase todos os estudos rea-
te-americanos, a cada ano, incluindo aqueles afetados
lizados em países desenvolvidos mostravam índices
indiretamente, tais como os bebês prematuros em fun-
de prevalência e de mortalidade altos e consideravel-
ção do tabagismo materno e os fumantes passivos.4
mente maiores entre os homens.9,10 Nos países menos
Estima-se que fumar na gravidez seja responsável por
desenvolvidos, no entanto, alguns estudos revelavam
20-30% dos casos de recém-natos de baixo peso, por
taxas discretamente maiores entre as mulheres.2,11 Pos-
até 14% dos partos prematuros e por cerca de 10% da
sivelmente as diferenças entre os sexos se devam aos
fatores de exposição, especialmente ao fumo, cuja pre-
O tabagismo também é responsável por eleva-
valência era maior entre os homens nos países desen-
do prejuízo financeiro. Apenas nos Estados Unidos, os
volvidos, e à exposição a gases nocivos e a partículas
custos relacionados ao tabagismo superam os US$ 150
oriundas do hábito de usar lenha no cozimento dos
bilhões anualmente, incluindo US$ 81,9 bilhões com
alimentos e no aquecimento das casas, mais freqüen-
perda de produtividade ligada à mortalidade e US$
te nas regiões menos desenvolvidas.12 Entretanto, es-
tudos mais recentes revelam um novo padrão epide-
A associação entre DPOC e câncer de pulmão ficou
miológico, com a prevalência de DPOC quase igual nos
clara numa meta-análise de estudos que procuraram
dois sexos.13 Provavelmente, isso reflete uma mudança
relacionar o volume expiratório forçado no primeiro
no padrão de exposição ao principal fator de risco para
segundo (VEF ) e o câncer de pulmão, que indicou que
a DPOC: o tabagismo. O subdiagnóstico é uma realida-
mesmo pequenas reduções do VEF são preditivas da
de. Como exemplo, pode-se citar um grande estudo
doença. Em quatro estudos selecionados, observou-se
epidemiológico sobre a DPOC, realizado na Espanha
que o risco de câncer de pulmão aumentava quando o
(IBERPOC), que revelou que a prevalência de obstrução
VEF diminuía, depois de ajustado pelo tabagismo. En-
crônica ao fluxo aéreo na população geral era de 9,1%
tre os homens, o mais baixo quintil do VEF estava as-
entre aqueles com idade entre 40 e 70 anos; a relação
sociado a um risco 2,23 vezes maior de câncer de pul-
homem/mulher foi de 4:1. No entanto, 88% dos doentes
mão, quando comparado ao quintil mais alto. Entre as
identificados nunca haviam sido diagnosticados.14,15
mulheres, essa proporção foi de 3,97.7 Recentemente,
Com base nas taxas grandes e crescentes, que indi-
foi publicado um estudo dinamarquês, realizado entre
cam que, até 2020, a DPOC estará entre as quatro prin-
1964 e 2003, que procurou determinar se a redução no
cipais causas de comprometimento da saúde huma-
número de cigarros fumados por dia seria uma estraté-
na,16 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou
gia viável para reduzir o risco de câncer de pulmão. A
um alerta: “Parar de fumar é um passo essencial para
análise de regressão revelou correlação entre diminuir
reduzir substancialmente os riscos à saúde impostos
a intensidade ou parar de fumar e a redução do risco.
aos fumantes, e daí, melhorar a saúde em todo o mun-
Mesmo com taxas diferentes entre os grandes fuman-
do. Está demonstrado que o tabaco causa cerca de 25
tes e os demais, observou-se a redução de 62% no nú-
doenças possivelmente letais, ou grupos de doenças,
mero de cigarros fumados por dia estava associada a
muitas das quais podem ser prevenidas, retardadas ou
27% de redução no risco de câncer. Constatou-se, tam-
abrandadas pela cessação do fumo. Na medida em que
bém, que deixar de fumar e nunca fumar são, de lon-
a expectativa de vida aumenta nos países desenvolvi-
ge, os meios mais efetivos para reduzir a incidência de
dos, o peso da morbidade e da mortalidade por doen-
câncer,8 o que faz de programas antitabágicos estraté-
ças crônicas aumentará ainda mais. Esse cenário pro-
gias fundamentais para reduzir o impacto humano e
jetado de aumento das doenças tabaco-relacionadas
financeiro de grande parte das doenças respiratórias.
pode ser aliviado por esforços intensivos na parada do
Usemos agora a DPOC como um indicador de
fumo. Estudos demonstram que 75-80% dos fumantes
doença tabaco-relacionada. A maior parte dos dados
querem parar, enquanto um terço fez, pelo menos, três
atuais sobre sua prevalência, morbidade e mortalidade
tentativas sérias para deixar de fumar. Esforços para
é originária dos países desenvolvidos e indica que seu
abandonar o fumo não podem ser ignorados em favor
impacto vem crescendo. Mesmo sendo responsável
da prevenção primária; ao contrário, ambos os esforços
Campos HS . O médico e o cigarro
têm que ser feitos em conjunto. Se uma pequena parte
que eu tenho que parar de fumar”. Comprovadamente,
dos atuais 1,1 bilhões de fumantes conseguir parar, os
um breve e objetivo aconselhamento traz resultados
benefícios sobre a saúde e econômicos serão imensos.
favoráveis; aumento substancial das taxas de aban-
Governos, comunidades, organizações, escolas, famílias
dono do fumo pode ser obtido com aconselhamento
e indivíduos devem ajudar os fumantes a abandonar
médico conciso (1 a 2 minutos).21 Quando o conselho
é dado numa situação na qual a consulta foi motivada
Um grande estudo europeu (The Lung Health Stu-
por queixa associada ao fumo, a efetividade da reco-
dy), realizado recentemente, trouxe informações rele-
mendação é multiplicada. O importante é acentuar os
vantes sobre a relação entre fumo e DPOC. Avaliando
efeitos positivos do abandono do fumo, em vez de usar
5.887 participantes com evidências de DPOC inicial,
falas aterrorizantes sobre os malefícios do fumo.22,23
concluiu-se que parar de fumar tinha um efeito signi-
Parte dos fumantes precisa de outros recursos,
ficativo na velocidade de queda do VEF , o desfecho
além do apoio médico, para conseguirem ficar sem
primário do estudo.18 Dessa forma, para fumantes com
fumar. As alternativas incluem a reposição de nicotina
DPOC, parar de fumar é a coisa mais efetiva a fazer para
e fármacos. Meta-análises recentes concluíram que to-
reduzir a progressão da doença. Como nas questões
das as formas de reposição de nicotina são efetivas24
relacionadas à saúde, o médico é o interlocutor mais
e que, dentre os fármacos disponíveis para ajudar o
respeitado e deve incluir o aconselhamento antitabá-
fumante a permanecer sem fumar, o bupropion e a
gico. Idealmente, ações visando a prevenção primária e
nortriptilina são úteis,25 ao contrário da naltrexona,26
a parada do tabagismo têm que fazer parte da prática
clonidina27 e ansiolíticos.28 A hipnose,29 a acupuntura30
médica. É importante que, em cada consulta médica,
e a terapia aversiva21 também não têm efeito benéfico
haja uma ação sistemática visando à identificação do
fumante; ocorra aconselhamento vigoroso para que o
Finalizando, nossa missão inclui a promoção de
fumante deixe de fumar, de modo técnico, sem “mora-
saúde e não apenas o tratamento de doenças. Ideal-
lismos”; sejam identificados e apoiados aqueles que
mente, nossa prática deve aliar a prevenção primária
querem parar de fumar.19,20 Geralmente, os clientes fil-
das doenças tabaco-relacionadas, aconselhando os
tram o que ouvem durante uma consulta em função
não-fumantes, particularmente as crianças e os jovens,
daquilo que querem ouvir. Deve-se evitar que eles pos-
a não começarem a fumar e estimulando/apoiando os
sam sair de uma consulta dizendo: “O doutor não disse
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C rastorno por uso de marihuana: aspectos médico-leg DROGAS EN PELO: SUS ALCANCES Y LIMITACIONES IIExperiencia en el laboratorio de toxicología y químicaEn el año 1989 en relación al acompañan a las drogas de abuso, A. M. Perkins de na, sobre una matriz no difundidaen aquella época como era el pelo. Esta decisión fue muy importante Autores: A. M. Perkins de Piacentino; O. A. Locan